24/05/2012

Meu Livro Amado-Demian, Hermann Hesse.


O que hoje existe não é comunidade: é simplesmente o rebanho.

Os homens se unem porque têm medo uns dos outros e cada um

se refugia entre seus iguais: rebanho de patrões, rebanho de operários,

rebanho de intelectuais... E por que têm medo? Só se tem medo quando

não se está de acordo  consigo mesmo. Têm medo porque jamais se

atreveram a perseguir

seus próprios impulsos interiores. Uma comunidade formada por

indivíduos atemorizados com o desconhecido que levam dentro de si.

Sentem que já periclitaram todas as leis em que baseiam suas vidas,

que vivem conforme mandamentos antiquados e que nem sua religião

nem sua moral são aquelas de que ora necessitamos. Durante cem

anos a Europa não fez mais do que estudar e construir fábricas! Sabem

perfeitamente quantos gramas de pólvora são necessários para se

matar um homem; mas não sabem como se ora a Deus, não sabem

sequer como se pode passar uma hora divertida. Observa qualquer

uma dessas cervejarias estudantis. Ou qualquer dos lugares de

diversão que a gente rica freqüenta! Que espetáculo mais desolador...

De tudo isso não pode redundar nada de bom, meu caro Sinclair. Esses

homens que tão temerosamente se congregam estão cheios de medo e

de maldade, nenhum se fia no outro. Mantêm-se fiéis á ideais que já

não existem, e atacam, furiosos, os que tentam erigir outros novos."

(...)


"Nunca se chega ao porto — disse afavelmente. — Mas quando

duas rotas amigas coincidem, o mundo inteiro nos parece então o

anelado porto."



(...)


"— Você não deve entregar-se a desejos nos quais não acredita. Sei

o que deseja. Você tem que abandonar esses desejos ou desejá-los de

verdade e totalmente. Quando chegar a pedir tendo em si a plena

segurança de alcançar seu desejo, a demanda e a satisfação coincidirão

no mesmo instante. Mas você deseja e se reprova, temeroso de seus

desejos. Tem que dominar tudo isso. Vou lhe contar uma fábula.

E me contou sobre um adolescente que estava enamorado de uma

estrela. Junto ao mar estendia os braços para ela, adorava-a, sonhava

com ela e lhe dedicava todos seus pensamentos. Mas sabia, ou

pensava saber, que um homem não pode enlaçar uma estrela.

Imaginava que seu destino era amá-la sempre sem esperanças e

construiu sobre essa idéia toda uma vida de renúncias e de dores,

muda e fiel, que devia purificá-lo e enobrecê-lo. Uma noite estava de

novo sentado junto ao mar, no alto de uma escarpa, contemplando a amada e ardendo de amor por ela. E num instante de profundo anseio,

saltou no vazio para alcançar a estrela. Mas ainda não pensou na

impossibilidade de alcançá-la e caiu, arrebentando-se contra as rochas.

Não sabia amar. Se no momento de saltar tivesse força de alma

bastante para crer fixa e seguramente na obtenção de seu desejo, teria

voado para o céu a encontrar sua estrela.

— O amor não deve pedir — continuou — nem tampouco exigir.

Há de ter a força de chegar em si mesmo à certeza e então passa a

atrair em vez de ser atraído. Sinclair, seu amor é agora atraído por

mim. Quando chegar a atrair-me, então atenderei. Não quero ser uma

dádiva, mas uma conquista.

Tempos depois contou-me outra história. Era um homem que

amava sem esperanças. Tinha-se encerrado inteiramente em si mesmo

e imaginava que se ia consumindo na chama de seu amor. O mundo

desapareceu para ele. Não via o céu nem o bosque verde; não ouvia o

murmúrio dos regatos nem os sons da harpa; tudo em seu redor se

havia desfeito, deixando-o abandonado e miserável. Seu amor cresceu,

contudo, de tal maneira, que preferiu consumir-se e morrer em sua

fogueira do que renunciar à posse daquela mulher. E então sentiu que

sua paixão devorava em si tudo aquilo que não fosse amor, tornava-se

poderosa e impunha à amada distante uma imperiosa atração, fazendoa correr para si. Mas quando

abriu os braços para recebê-la, achou-a

transformada, e viu e sentiu, surpreendido, que atraíra para si todo o

mundo perdido. Lá eslava o mundo diante dele, ofertando-se por

completo; céu, bosque e regato voltavam a ele com novas cores,

cheios de vida e de luz, pertenciam-no e falavam sua linguagem. E em

vez de ganhar apenas uma mulher, tinha o mundo inteiro em seu

coração e cada uma das estrelas do céu resplandecia nele e irradiava

prazer em toda sua alma... Havia amado, e amando encontrara a si

mesmo. Mas a maioria dos homens amam para se perder em seu amor"



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